Chamada Para Trabalhos (S. 2, nº 2): Luz
A estrema: revista interdisciplinar de humanidades, uma publicação em linha do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CECompFLUL), está com uma chamada aberta para artigos e recensões para a 2.ª edição da sua Série II ― Inverno 2022/23 até ao dia 31 de Janeiro. O primeiro número, publicado no Verão de 2021/22, acolheu contributos de autores que abordaram de forma crítica, inovadora e interdisciplinar o tópico “sombra”. Com os mesmos critérios, lançamos aqui uma nova chamada para o segundo número, a ser publicado no Inverno de 2022/23, elaborado em torno do tópico “luz”.
A luz não é apenas o fenómeno em torno do qual se desenvolveu a maior parte da vida na Terra. As muitas formas que a luz toma, enquanto conceito, desenvolveram-se para além do conhecimento sobre as forças físico-químicas que possibilitam o fenómeno seu referente. Com efeito, os campos semântico e conceptual em redor da palavra “luz” estão eivados de simbolismos, dinâmicas, práticas e significados que permeiam o pensamento e as manifestações artísticas e culturais de todos os povos e indivíduos. No dia-a-dia, invoca-se a luz na forma de expressões idiomáticas quando se procura sugerir clareza, preciosidade, pureza e valores afins. Da mesma maneira, culturalmente, estabelecem-se analogias entre a luz e o conhecimento, de que o Iluminismo é a mais evidente expressão, assim como entre o poder revelador da luz e aquilo que, em várias tradições religiosas e espirituais, é da esfera do conhecimento divino, ou mesmo sua manifestação.
Não obstante, a luz é também sinal de engano, rebelião e excesso. Na tradição judaicocristã, por exemplo, se, segundo o Evangelho de São João, o verbo divino, encarnado em Jesus Cristo, é “a luz verdadeira” (Jo.1, 9), já por via do Evangelho de São Lucas, à imagem da luz e suas qualidades associa-se também a figura de Satanás, um anjo que, caído “como um relâmpago” (Lc.10, 18), ousou ultrapassar os limites da sua condição. Ainda que o termo não seja explicitamente utilizado para o identificar em nenhum dos textos da Bíblia, o Príncipe das Trevas entrou no imaginário colectivo pela influência de comentadores e tradutores latinos, como Tertuliano e Orígenes, sob o epíteto de Lúcifer, literalmente “o portador da luz”[1].
A luz é, por outro lado, símbolo de fragilidade e desvanecimento, e, como tal, motivo inter-artes recorrente. Na poesia de Jorge de Sena, por exemplo, a luz, algo a proteger enquanto símbolo da presença frágil do Bem, “não ilumina[,] apenas brilha”[2]. Já Italo Calvino, em “A lua e GNAC”[3], alerta para a morredoura luz dos astros no céu nocturno perante a intermitência ofuscante dos néones, que se tornaram indissociáveis das paisagens urbanas de todo o globo. A inquietação quanto ao crescente enfraquecimento da relação entre o ser humano e a natureza está igualmente presente numa crónica de Pier Paolo Pasolini sobre o impacto da poluição nos pirilampos, ameaçados pelas transformações da paisagem natural italiana provocadas pelo desenvolvimento económico do segundo pós-guerra[4]. Antes disso, já a fugacidade da luz era o tema predilecto dos Impressionistas. Nas suas telas, tal como num palco, a luz era vista como o elemento que enforma e dá expressão ao mundo, materializada pela espessura do óleo e o vigor da pincelada.
Quer pensemos sobre a forma como os primeiros humanos se aperceberam do poder de um fogo natural numa floresta escura, o processo da fotossíntese, um feixe de um farol a anunciar terra em alto-mar, ou, ainda, sobre as descobertas teóricas do Século XX que possibilitaram os avanços para o mundo dos ecrãs electrónicos com que nos habituámos a conviver, a imagética da luz oferece um campo de trabalho teórico vasto e estimulante. Como tal, a estrema apela à participação de todos os estudantes, de qualquer ciclo do ensino superior, investigadores integrados, ou investigadores independentes que desejem desvelar, bruxuleantes, os múltiplos caminhos interpretativos da “luz”.
[1] Russell, Jeffrey Burton. 1977. The Devil: Perceptions of Evil from Antiquity to Primitive Christianity. London: Cornell University Press.
[2] Sena, Jorge de. 1958. “Uma pequenina luz.” In Fidelidade, 78-79. Lisboa: Moraes.
[3] Calvino, Italo. 1983. Marcovaldo: Or, The Seasons in the City, translated by William Weaver. Boston: Mariner Books.
[4] Pasolini, Pier Paolo. 1975. “Il vuoto del potere in Italia.” Corriere della Sera. https://www.corriere.it/speciali/pasolini/potere.html.
Poderão consultar a versão PDF desta chamada para trabalhos aqui.
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