Chamada para Trabalhos (Vol. 3, n. 1): Vida & Morte
Ecos de Vida e de Morte: Perspectivas Interdisciplinares e Intermedia
A estrema: revista interdisciplinar de humanidades, uma publicação em linha do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CEComp-FLUL), está com uma chamada aberta para artigos e recensões para o primeiro número do seu Volume III até ao dia 31 de Maio de 2024. A série anterior, composta por dois números distintos, acolheu contributos que reflectiram amplamente sobre a dicotomia luz/sombra, sempre através de uma perspectiva interdisciplinar, comparatista e inovadora. De modo semelhante, lançamos esta chamada inspirada por um novo dístico temático: vida/morte.
A dinâmica entre vida e morte, ainda que oposta, não é necessária e exclusivamente dicotómica. Embora uma tenda a representar a ausência da outra, a coexistência destes dois estados do ser permeia muitos e diferentes aspectos da experiência humana. A inevitabilidade da morte paira sobre os vivos, convivendo com a azáfama do dia-a-dia, numa tensão implícita, onde o medo do fim se dilui entre tarefas quotidianas e pausas de lazer. A sua presença sempre latente até ao momento de confronto com a efemeridade - um encontro transformativo, fonte de inspiração que transcende fronteiras disciplinares e artísticas.
Em The Art of Life and Death: Radical Aesthetics and Ethnographic Practice, Andrew Irving explora este mesmo impacto através das experiências vividas, das questões existenciais e das criações artísticas feitas por pessoas que enfrentam a sua própria mortalidade após o diagnóstico de HIV/SIDA. Segundo Irving, o principal objectivo da sua investigação foi desenvolver um estudo sociológico em torno desta disrupção: «[T]o understand how the world appears to persons who are close to death and who are confronting their own mortality and nonexistence after being diagnosed with a terminal illness» (2017, 1). O confronto com a efemeridade tem sido particularmente fértil também no campo da Filosofia, onde diferentes correntes procuram trazer algum sentido à vivência humana. Jean-Paul Sartre (1946) sobre o existencialismo, Albert Camus (1942) abordando o absurdismo e Friedrich Nietzsche (1883) nas origens do niilismo são uma pequena amostra deste fenómeno. Por outro lado, a Filosofia da Morte vai além desta tensão existencial, procurando questionar tanto o conceito de “vida” como de “morte” ao sublinhar a coexistência destes estados: «It is natural to say that to die is to cease to be alive. But there seem to be cases in which a thing ceases to be alive without dying» (Bradley, Feldman e Johansson 2012, 1).
No âmbito dos Game Studies, área dedicada ao estudo dos jogos, estes conceitos têm ganhado particular destaque, uma vez que tomam contornos específicos conforme a sua implementação ludonarrativa, levantando questões sobre a representação da morte e a trivialização da vida no contexto lúdico: «How might one properly render the sense of loss associated with death, for example, when one must also offer the player the possibility to turn back in time and resume their gameplay as if the event had never taken place?» (Melnic e Melnic 2017, 29). A Ecocrítica tem-se apresentado igualmente como acompanhante essencial ao dístico vida/morte, fornecendo um olhar único sobre a protecção da vida e a prevenção da morte humana, animal e ecológica através da literatura. Destas raízes literárias, floresceram interpretações ecológicas de Frankenstein (Morton 2016), propostas teórico-metodológicas para os Eco-Film Studies (Ingram 2014) e, até, perspectivas sobre ecologia queer (Seymour 2020).
É tanto através da oposição como da coexistência que este dístico se revela frutífero também nas artes. Em Deathloop (Arkane Studios 2021), por exemplo, os dois protagonistas encontram-se presos num ciclo em que revivem o mesmo dia eternamente, posicionando-se num limbo entre a vida e a morte. Podemos pensar ainda no tema medieval da Danse Macabre, a dança da morte, que arrasta os membros de todas as classes sociais para um mesmo destino inevitável ao som do eco da fragilidade e da perecibilidade da vida (Huizinga 1996, 153). Neste contexto, a Morte era representada muitas vezes como uma figura trocista e impiedosa para com os humanos paralisados de medo que imploram pela vida, tal como afirma Sophie Oosterwijk: “Many participants of the danse prove […] that they are ill prepared for Death, who usually arrives as an unwelcome spectre. […] In general, Death seems to enjoy such reactions and he mocks his victims mercilessly in return” (Oosterwijk 2004, 77). O quadro de Brueghel O Triunfo da Morte (c. 1562) reinterpreta este tema séculos adiante, retratando uma visão de caos e desespero com a vinda da morte.
Apesar dos discursos marcadamente negativos e fatalistas que têm pontuado as narrativas sobre o futuro ambiental, e que espelham o caos proposto por Brueghel, o Solarpunk apresenta-se como movimento artístico e literário que imagina um futuro de esperança e harmonia entre tecnologia, seres vivos e a natureza. Posicionando-se como o reverso do género Cyberpunk, as suas produções procuram a valorização de toda a vida, num imaginário pós-industrial utópico, onde a sustentabilidade ecológica é chave. Embora as suas produções sejam intermedia, o Solarpunk tem sido particularmente frutífero na Literatura, onde se destacam as obras Always Coming Home (1985), de Ursula K. Le Guin, e Ecotopia (1975), de Ernest Callenbach. Os exemplos culturais, artísticos, sociais, linguísticos, entre outros, são amplos. A morte e a vida são potências criadoras, por vezes uma a partir da outra, num ciclo que pode ser tanto devastador quanto gerador - a vida traz morte; a morte traz vida.
Deste modo, a estrema apela à participação de todos os estudantes, de qualquer ciclo do ensino superior, investigadores integrados ou independentes, bem como outros interessados que procurem desvendar as possibilidades interdisciplinares e interartísticas do dístico vida/morte, incentivando propostas que se foquem num dos elementos deste dístico ou na relação entre ambos.
Eixos temáticos possíveis, mas não exclusivos:
- Estudos sobre a Morte
- Filosofia da Morte
- Distopias/Utopias
- Ficção Pós-apocalíptica
- Ecocrítica
- Natureza
- Estudos de Religião
- Necropolítica
Referências
Bradley, Ben, Fred Feldman e Jen Johansson, eds. 2012. The Oxford Handbook of Philosophy of Death. Oxford: Oxford University Press.
Camus, Albert. 1942. L’Étranger. Paris: Éditions Gallimard.
Huizinga, Johan. 1996. O Declínio da Idade Média, translated by Augusto Abelaira. Lisboa: Editora Ulisseia.
Ingram, David. 2014. “Rethinking Eco-Film Studies.” The Oxford Handbook of Ecocriticism, edited by Greg Garrard, 459-474. Oxford: Oxford University Press.
Irving, Andrew. 2017. The Art of Life and Death: Radical Aesthetics and Ethnographic Practice. Chicago: Hau Books.
Melnic, Diana e Vlad Melnic. 2017. “Saved Games and Respawn Times: The Dilemma of Representing Death in Video Games.” University of Bucharest Review VII (2): 29-37. https://ubr.rev.unibuc.ro/past-issues/2008-2021/2017-2/2017-issue-2/.
Morton, Timothy. 2016. “Frankenstein and Ecocriticism.” The Cambridge Companion to Frankenstein, edited by Andrew Smith, 143-157. Cambridge: Cambridge University Press.
Nietzsche, Friedrich. (1883) 2011. Also sprach Zarathustra. Ein Buch für Alle und Keinen. Chemnitz: Verlag von Ernst Schmeitzner. Reprint, Hamburg: Nikol Verlag.
Oosterwijk, Sophie. 2004. “Of Corpses, Constables and Kings: The Danse Macabre in Late Medieval and Renaissance Culture.” Journal of the British Archaeological Association 157 (1): 61-90. https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1179/jba.2004.157.1.61.
Sartre, Jean-Paul. 1946. L’Existentialisme est un Humanisme. Collection Pensées. Paris: Éditions Nagel.
Seymour, Nicole. 2020. “Queer Ecologies and Queer Environmentalisms.” The Cambridge Companion to Queer Studies, edited by Siobhan B. Somerville, 108-122. Cambridge: Cambridge University Press.
Directrizes
Prazo de submissão: 31 de Maio de 2024
Notificação de aceitação de trabalhos para revisão por pares: 15 de Junho de 2024
Envio de submissões: estrema.cecomp@letras.ulisboa.pt
Idiomas: Português, Espanhol e Inglês.
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